O lince-ibérico (Lynx pardinus) e o lobo ibérico (Canis lupus signatus) são dois predadores nativos da Península Ibérica, em que apesar de serem espécies diferentes, ambos desempenham papéis importantes e complementares na manutenção do equilíbrio ecológico de uma região.
As duas espécies são predadoras de topo da cadeia alimentar, contribuindo para manter a população de outros animais em equilíbrio, reduzir a propagação de doenças e preservar a biodiversidade nos ecossistemas ibéricos. Enquanto o lince ibérico se foca em presas menores e mais especificas (coelho e lebre), o lobo ibérico preda sobre presas maiores (ungulados como corços, cervos e javalis), assumindo papéis complementares na manutenção da biodiversidade e integridade dos habitats em que vivem. No caso do lobo ibérico, este desempenha também um papel importante na manutenção da estrutura do ecossistema, na medida em que a sua presença pode influenciar a distribuição e o comportamento de outras espécies. Por outro lado, a presença do lince ibérico pode servir de indicador da saúde do ecossistema, dado que se trata de uma espécie que requer uma abundância de presas e habitats específicos.
Apesar do papel ecossistémico que ambas as espécies têm, elas enfrentam várias ameaças, que as colocam em perigo de extinção. As principais ameaças são devido à perda de habitat, declínio ou escassez de presas e à caça ilegal.
O lince ibérico e o lobo ibérico têm uma longa presença histórica no ecossistema ibérico, fazendo parte da história natural da Península enquanto espécies nativas desde há milénios.
O lobo ibérico é uma subespécie do lobo cinzento europeu e está presente na Península Ibérica há centenas de milhares de anos, onde historicamente ocupava grande parte do território ibérico, desde as montanhas do norte até as regiões centrais e sul da Península. A sua distribuição geográfica abrangia uma ampla variedade de habitats, desde florestas, montanhas, até áreas mais abertas e rurais. Durante a Idade Média, o lobo era visto como uma ameaça às criações de gado e à segurança das pessoas, o que levou a uma perseguição intensa. No início do século XX os lobos estavam presentes em todo o território português, no entanto, desde os anos 70 que o seu número tem vindo a diminuir, principalmente devido às actividades humanas, fragmentação e degradação do seu habitat e redução da quantidade de presas selvagens, acompanhando uma tendência semelhante em Espanha e em toda a Europa. Desde 1989 foi declarada uma espécie protegida por lei em Portugal, estando atualmente listado como espécie "Quase Ameaçada" na Lista Vermelha da IUCN.
Apesar de ter vindo a ser considerado o felino selvagem mais ameaçado do mundo, o lince ibérico, teve historicamente uma ampla distribuição pela Península Ibérica, ocupando uma variedade de habitats que abrangia também grande parte da Península Ibérica. A sua população diminuiu drasticamente ao longo do século XX, chegando a um ponto crítico na década de 2000 devido à perda de habitat, caça ilegal e outras ameaças. Após esse momento, foi classificado em 2002 como “Criticamente em Perigo” na Lista Vermelha da IUCN, tendo sido posteriormente reclassificada em 2015 como “Em Perigo” após uma positiva inversão da tendência populacional negativa. Nos últimos anos, tem-se verificado uma tendência positiva da população de lince ibérico, que tem vindo a recuperar, aumentando em número e área de distribuição no sudoeste da Península Ibérica.
Actualmente, na Península Ibérica, as populações existentes de lince ibérico são estimadas em cerca de 2020 indivíduos, e as populações de lobos ibéricos em cerca de 2000 indivíduos.
O lince ibérico desempenha um papel crucial no ecossistema ibérico como predador de topo, mantendo a população de coelhos em equilíbrio e contribuindo para a diversidade genética das espécies presas. Graças aos esforços de conservação iniciados nos anos 2000 em Portugal e Espanha, a sua evolução tem sido favorável, tendo sido identificados no Censo Ibérico de 2023 14 núcleos populacionais estáveis e com reprodução confirmada (um núcleo no Sul de Portugal e os restantes em Espanha). No entanto, o lince ibérico ainda enfrenta vários desafios à sua existência destacando-se a escassez de alimento (especialmente de coelhos que representam um recurso alimentar importante), a fragmentação e perda de habitat (como a paisagem mediterrânica de bosques e matagais) provocadas pelo desenvolvimento humano, a caça ilegal e a baixa diversidade genética. O tráfego rodoviário e consequentes atropelamentos, têm sido recentemente identificados como um ameaça adicional e significativa à sua sobrevivência.
O lince-ibérico é um predador especializado em caçar coelhos e lebres, que constituem as suas principais presas. A sua presença ajuda a controlar as populações destes animais, evitando a sua sobrepopulação e que causem danos à vegetação e à agricultura. Além disso, o lince-ibérico também contribui para a diversidade de espécies no ecossistema, uma vez que a sua presença pode influenciar a distribuição e o comportamento de outras espécies.
O lobo-ibérico desempenha um papel fundamental na manutenção da biodiversidade e na regulação das populações de presas selvagens em Portugal. Sendo um predador de topo, influencia diretamente a dinâmica das populações de herbívoros, ajudando a controlar o seu crescimento descontrolado e a promover a saúde dos ecossistemas, nomeadamente ao alimentar-se preferencialmente dos animais mais vulneráveis e doentes. No entanto, apesar da sua importância ecológica, o lobo-ibérico enfrenta uma série de desafios, incluindo a perda de habitat, a fragmentação do território e conflitos com comunidades locais, estando a sua situação muito crítica sobretudo a sul do rio Douro.A subpopulação do lobo ibérico nesta área está bastante isolada do resto da população ibérica, com menos de 40 indivíduos da espécie, que sobrevivem num território onde ainda enfrentam adversidades, como destruição do habitat, escassez de presas silvestres e perseguição.
As principais presas do lobo são os ungulados (javali, corço, veado e cabra-montês) e, numa quantidade menor, também se alimenta de outros carnívoros, como a raposa, os sacarrabos ou o texugo. O lobo também se alimenta de gado, particularmente quando as suas presas existem em pouca diversidade ou abundância, e quando o gado não está suficiente protegido ou o lobo encontra algum ponto fraco na exploração.
Referências:
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